
Texto Bruno Garattoni e Tiago Cordeiro
Fotos Dulla
Design Natalia Sayuri Lara
Todo mundo esquece coisas, certo? Não tem nada de anormal. Mas o tempo vai passando, e você percebe que está esquecendo um pouco mais. Datas, compromissos, a água fervendo no fogão. É ruim, mas não alarmante. Até que leva o primeiro susto: está na rua e esquece o endereço de casa. Depois lembra. Seu celular some e reaparece dentro da geladeira – sem que você faça a menor ideia de como foi parar ali. Você começa a trocar algumas palavras. Um dia olha para o seu cachorro e pensa: qual é mesmo o nome dele? Preocupada, sua família leva você ao médico, que receita um ou dois remédios. Não faz muita diferença.
Um dia, quando vai tomar banho, você não consegue se lembrar de onde fica o banheiro. Meu Deus. Acaba achando o banheiro e se tranquiliza um pouco… mas qual era mesmo a sequência de movimentos das mãos para abrir a água e ensaboar o corpo? Ensaboar? O que você está fazendo ali? Seu cônjuge bate na porta. Você abre – e leva um susto ao ver um rosto desconhecido. Quem é aquela pessoa? Que casa é essa? Quem é você?

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[capitular title=”O”]undefined[/capitular]O Alzheimer é uma doença apavorante. Apavorante e surpreendentemente comum: corresponde a 70% de todos os casos de demência e afeta 38 milhões de pessoas no mundo (1,2 milhão no Brasil). Nos EUA, um em cada nove indivíduos acima de 65 anos tem Alzheimer (a partir dos 85 anos, um em cada três), e ele é a terceira maior causa de morte entre idosos.
Por isso o 7 de junho de 2021 foi tão marcante. Naquele dia a FDA, a agência que regula os medicamentos nos Estados Unidos, autorizou o lançamento do aducanumab, primeiro remédio contra a doença a ser lançado desde 2003. E tinha mais: aquela droga, desenvolvida pelo laboratório americano Biogen, era a primeira a tratar a causa, e não apenas os sintomas do Alzheimer. Uma revolução.
O aducanumab (que é vendido nos EUA com o nome comercial Aduhelm) é um anticorpo monoclonal, ou seja, que foi projetado em laboratório e é produzido a partir de uma única célula, clonada infinitamente – daí o termo “monoclonal”. Trata-se de uma célula de ovário de hamster (conhecida pela sigla CHO), já usada em vários outros anticorpos artificiais. No caso do aducanumab, ela foi modificada geneticamente para produzir anticorpos contra a beta-amiloide: uma proteína cujo excesso no cérebro forma placas que atrapalham a comunicação entre os neurônios, causando os problemas cognitivos típicos do Alzheimer.
Agora existe um remédio que elimina as placas amiloides, apontadas como a causa da doença. Mas há um problema: na prática, ele não funciona. Entenda por que foi liberado mesmo assim – e como essa polêmica pode colocar em xeque o que a ciência achava que sabia sobre o Alzheimer.
O enigma do Alzheimer
publicado originalmente em superinteressante