
Mênfis, no Antigo Egito, foi a maior cidade do planeta por quase 1 000 anos, entre 3100 a.C. e 2200 a.C. Tinha 20 000 habitantes. É menos que o bairro da Sé, no centro de São Paulo, nos dias atuais. Imagine o quanto era difícil proteger a privacidade numa cidade de 5 000 anos atrás.
Não é que a preocupação não existisse. Aristóteles, que viveu no século 4 a.C., defendia que a vida se dividia em duas esferas, a pública, que acontecia na pólis, e a privada, que o filósofo chamava de oikos.
Mas, na prática, as comunidades humanas moravam em vilas. Ali tudo o que acontecia era, de uma forma ou outra, público, especialmente no ambiente familiar, que era muito mais extenso do que hoje em dia.
A preocupação de garantir o direito a proteger a vida de bisbilhoteiros é uma invenção muito mais recente: a primeira proposta de lei com esse objetivo surgiu nos Estados Unidos, na década de 1890. E os juristas Samuel Warren e Louis Brandeis propuseram, de forma pioneira, no artigo “The Right of Privacy”, que todo cidadão tinha o “direito de ser deixado sozinho”.
Na época, a maior cidade do mundo era Londres e tinha 5,5 milhões de habitantes. Em metrópoles desse porte, era possível, pela primeira vez, garantir segredo em pelo menos alguns aspectos da vida. Como apontou o escritor Edgar Allan Poe no conto O Homem na Multidão, publicado na capital da Inglaterra em 1840, numa grande cidade era possível estar no meio da rua, cercado por pessoas, e não conhecer absolutamente ninguém.
A iniciativa foi transformada em diferentes leis, difundidas inicialmente no mundo anglo-saxão, num momento em que a Inglaterra controlava as terras onde viviam 23% da população global, e os Estados Unidos ainda estavam sob a influência dos códigos britânicos. O conceito jurídico de privacidade continuou avançando. As leis europeias desenhadas entre meados dos anos 1960 e início dos 1970 o atualizaram, mergulharam em detalhes e se mostraram visionárias – a lei sobre a divulgação de dados pessoais promulgada na cidade alemã de Hessen é ainda hoje citada como referência para a legislação a respeito da internet.
Mundo fascinante
Acontece que agora, com a nova sociedade digital, voltamos a viver em vilas. O privado e o público estão novamente misturados, quase como uma babilônia digital. “Ao atender um telefone dentro de um teatro, estamos vivendo um momento privado em um ambiente público. Por outro lado, ao publicar um post com uma foto tirada dentro do nosso quarto, estamos vivendo um momento público em um ambiente privado”, avalia o sociólogo e professor Massimo Di Felice, coordenador do Centro Interacional de Pesquisa da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP).
O digital muda tudo, inclusive num sentido inédito na história da nossa espécie, segundo o professor: agora, a sociedade humana não é exclusivamente formada… por seres humanos. Os espaços são ocupados por pessoas e equipamentos, em um nível quase de igualdade. “Agora convivemos com tecnologias ligadas à internet o tempo todo. Estar conectado é uma condição básica da vida. A divisão física entre ambiente público e privado, que costumava ser definida pela arquitetura, não existe mais”, explica. Nesse contexto, o cenário muda, enquanto a noção de privacidade se ajusta de acordo com a cultura, a vivência e a geração.
A tecnologia fundiu os limites entre público e privado. Mas há como aproveitar esse novo mundo e proteger sua privacidade e seus dados sensíveis
Na nova sociedade digital, você nunca está só
publicado originalmente em superinteressante

