“Tudo que não seja viver escondido numa casinhola, pobre ou rica, com uma pessoa que se ame, e no adorável conforto espiritual que dê esse amor – me parece agora vão, fictício, inútil, oco e ligeiramente imbecil.”
“Olha estas velhas árvores, mais belas Do que as árvores moças, mais amigas, Tanto mais belas quanto mais antigas, Vencedoras da idade e das procelas… O homem, a fera e o inseto, à sombra delas Vivem, livres da fome e de fadigas: E em seus galhos abrigam-se as cantigas E os amores das aves tagarelas. Não choremos, amigo, a mocidade! Envelheçamos rindo. Envelheçamos Como as árvores fortes envelhecem, Na glória de alegria e da bondade, Agasalhando os pássaros nos ramos, Dando sombra e consolo aos que padecem!”
“Uma flor nasceu na rua! Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto. Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu. É feia. Mas é flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.”
Pra vender disco de protesto Todo mundo tem que reclamar Eu vou tirar meu pé da estrada
E vou entrar também nessa jogada E vamos ver agora quem é que vai guentar Porque eu fui o primeiro
E já passou tanto janeiro Mas se todos gostam eu vou voltar Tô trancado aqui no quarto
De pijama porque tem visita estranha na sala Aí eu pego e passo a vista no jornal Um piloto rouba um “Mig”Gelo em Marte, diz a Viking
Mas no entanto não há galinha em meu quintal Compro móveis estofados Me aposento com saúde Pela assistência social Dois problemas se misturam
A verdade do Universo A prestação que vai vencer Entro com a garrafa De bebida enrustida Porque minha mulher não pode ver Ligo o rádio e ouço um chato
Que me grita nos ouvidos Pare o mundo que eu quero descer Olhos os livros na minha estante
Que nada dizem de importante Servem só pra quem não sabe ler E a empregada me bate à porta
Me explicando que tá toda torta E já que não sabe o que vai dá pra mim comer Falam em nuvens passageiras
Mandam ver qualquer besteira E eu não tenho nada pra escolher Apesar dessa voz chata e renitente
Eu não tô aqui pra me queixar E nem sou apenas o cantor Que eu já passei por Elvis Presley
Imitei Mr. Bob Dylan I know Eu já cansei de ver o Sol se pôr Agora eu sou apenas um latino-americano
Que não tem cheiro nem sabor E as perguntas continuam sempre as mesmas Quem eu sou? Da onde venho? E aonde vou, dá?
E todo mundo explica tudo Como a luz acende como um avião pode voar Ao meu lado um dicionário Cheio de palavras que eu sei que nunca vou usar Mas agora eu também resolvi dar uma queixadinha
Porque eu sou um rapaz latino-americano Que também sabe se lamentar E sendo nuvem passageira Não me leva nem à beira Disso tudo que eu quero chegar -E fim de papo!
“A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o visitante sentou na areia da praia e disse: “Não há mais o que ver”, saiba que não era assim. O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.”