A Maldição do Farol ( terceira parte)

Era uma noite de tempestade e ventania como tantas outras por aqui, mas prestando mais atenção daria pra sentir que algo muito pesado pairava no ar, como que esperando o momento certo para dar o bote. Matias já havia realizado suas tarefas e preparava-se para o descanso, quando ouviu gritos de socorro vindos da lagoa, eram medonhos e doídos e pareciam de uma mulher.

Por um momento pensou que podiam ser as árvores que rangiam com a ventania, mas não, era alguém em perigo e ele saiu rapidamente para ver o que estava acontecendo. A escuridão era profunda, e apenas o brilho do farolete e os relâmpagos iluminavam a praia….ao longe, dentro da água ele pôde ver a pessoa que gritara, sim, era uma mulher, sem dúvida…Matias tirou os sapatos e se lançou á água, com desespero de salvar a moça. A água ali é rasa e em poucos metros ele já alcançava a mulher que se debatia em agonia, Matias a segura e começa a puxá-la para a praia, mas quando ela lhe vira o rosto, ele incrédulo, reconhece Mirtes, a noiva que toda cidade acredita que fugira, mas que Matias por ciúmes, havia há muitos anos assassinado e dado cabo do corpo.

A luta para se livrar das mãos que o sufocam dura poucos segundos, ela não está sozinha, alguns escravos que ainda não encontraram a liberdade continuam por ali, e eles se comprazem em auxiliar Mirtes em seu intento de vingança.


…Foi em uma tarde de primavera que eles noivaram, a cidade toda em festa com o novo casal que se anunciava. Matias seria o substituto do faroleiro que já estava prestes a se aposentar e Mirtes era muito querida por todos, cozinheira de mão cheia e com uma doçura que a todos encantava, sempre tinha uma palavra amiga a todos, sem exceção…foi exatamente essa virtude de simpatia que muitas vezes incomodou Matias, que com seu temperamento inseguro não apreciava a atenção da moça para com outras pessoas.


Um dia, um rapaz conhecido de infância de Mirtes estava muito deprimido por haver perdido os pais recentemente, e a encontrando a caminho de casa , parou para desabafar , os dois se emocionaram e trocaram um abraço fraterno. Matias assistiu a cena à distância, e pensando se tratar de traição, esperou a mulher chegar na casa dele, e sem piedade a estrangulou até a morte, depois desesperado pelo ato de ódio, lançou o corpo com uma pedra atada à lagoa, no ponto que julgou mais profundo. Na cidade, no outro dia, espalhou aos quatro ventos, chorando, que ela o abandonara por outro homem , foi para o farol e ali ficou até agora…


Pronto, está feito, Mirtes lhe estende a mão, chamando-o para seguir com ela os caminhos do além vida…mas não, Matias se recusa, está confuso e raivoso com a situação, e simplesmente volta para o farol, enquanto seu corpo inerte vai e volta ao sabor da maré. No outro dia, o primeiro pescador da manhã o encontrará, e pensando tratar-se de uma fatalidade, tudo volta ao normal no povoado. Somente muitos anos depois, quando começarem a juntar as histórias, tantas e tantas coisas estranhas acontecendo ali, o fato de praticamente nenhum faroleiro sobrar vivo ou inteiro do trabalho no local, a lenda da Maldição do Farol ganhará corpo, e depois com o passar dos anos, com o local abandonado, só os corajosos ou desavisados ficarão por ali depois que o sol se pôr…

continua…

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A Maldição do Farol ( segunda parte)

Já se passou quase uma hora e Lionel decide seguir viagem, o celular continua sem sinal de vida, e seus amigos logo estarão no local combinado. Tira umas fotos, com um bom enquadramento , a luz do fim da tarde deixa tudo mais luminoso. Não dava para imaginar que a brisa que soprava em instantes se transformaria em um vendaval fortíssimo, onde mal daria para parar de pé ,os raios e trovões reluziam de uma maneira que transformava todo redor em um cenário de filmes de horror.

Ele estava bem próximo á porta do prédio, e foi com alívio que entrou no abrigo do farol. Lá dentro, obviamente, era escuro feito breu, e a lanterna do celular iluminou á sua volta…foi uma questão de segundos e a porta bateu, vítima de uma rajada de vento, o aparelho voou longe, deixando Lionel assustado, sozinho na escuridão. Abaixado para procurar o telefone , ele não estava muito a vontade ali, a fobia começava a dar as caras. Ele não percebe quando um vulto escuro surge a seu lado e toca de leve sua nuca, como que transferindo algo de escuro e sinistro, algo que nem em seus pesadelos Lionel poderia supor que existisse. Quase que imediatamente a porta se abre, e ele consegue ver o celular mais a frente, o apanha e se levanta. Com a luz tênue da lanterna ele vê a escada e a curiosidade substitui a cautela… Lionel resolve dar uma espiada no topo do farol , sem dúvidas a vista de lá renderá ótimas fotos.


Uma escada em caracol íngreme e corroída pelo tempo o leva até lá em cima, onde o lume do farol há tempos não ilumina mais nada. Esse lugar já teve sua época de glória, quando era um importante marco para os navegantes e para os moradores locais, que se orgulhavam de abrigar em sua cidade tão imponente prédio.
Voltemos no tempo, há muitas, muitas décadas atrás…nos idos de mil novecentos e quarenta…
A segunda grande guerra se alastrava pela Europa, a sombra da morte e do medo também lançavam fagulhas por aqui. O grande Farol da Enseada, como era conhecido, vivia seus melhores dias, ponto importante para a cidade, iluminando a lagoa e dando o norte aos navegantes e moradores.

Ali morava Matias, o faroleiro, na casa dos quarenta anos, solitário e comprometido com o dever, sem dar muita conversa para ninguém , assim gostava de levar a vida. Nunca havia se casado . Na juventude chegara a ficar noivo, mas a moça o abandonou, indo para a cidade grande com outro homem. A vida e as obrigações corriam tranquilas, com uma notícia ou outra da guerra e do resto do mundo…pelo menos era o que parecia, pois aquele lugar tinha seus segredos , e o sangue de muitos havia sido derramado ali para erguer esses tijolos, pode crer no que te digo…por muitos anos esse fato permaneceu como que hibernando, mas agora devido a tanto mal acontecendo, tanta gente com medo, algo muito sinistro começava a despertar ali, neste farol no sul do Brasil.

continua…

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A Maldição do Farol (parte um)

A tarde já se despedia, e a névoa que começava a se formar, transformava a praia em um cenário entre o idílico e o sinistro. Confesso a vocês que sou extremamente apaixonada pela lagoa, e no entardecer ela toma tons de cobre, âmbar e magia , que já, já entenderão de onde vêm.


A construção se destaca não só pela imponente altura, mas sobretudo pela aura de expectativa misteriosa que permeia tudo aquilo que nos é desconhecido. O velho Farol está ali há uns mil e duzentos anos, brincadeirinha…creio que em torno de cento e cinquenta anos, alguma coisa assim. Já faz muito tempo, as pessoas do vilarejo evitam passar por ali a noite. Coisa de matuto, suburbano, gente ignorante… só que não.
O povo dali têm tido provas contundentes de que este lugar, é digamos assim, um tanto quanto inóspito. Corre a boca pequena que o faroleiro ainda se esgueira pelas imediações, levando consigo para as profundezas da lagoa quem ouse se aventurar por ali…


Mas, isso é só uma lenda, nada para se levar a sério. A menos que você seja um forasteiro enxerido que se perdeu em uma noite de tempestade e veio dar por estas bandas. Daí já não garanto mais nada.


E é assim que inicia a trajetória de um desses aventureiros, sedento de trilhas, areia e lama. Vamos chama-lo de Lionel, e partir da premissa de que viaja sozinho, indo ao encontro de um grupo de amigos, que estão vindo de uma outra trilha. A noite já se avizinha quando Lionel resolveu que era hora de uma parada estratégica para um lanche e uma esticada de pernas, o velho farol parecia o lugar ideal para uma pausa e com certeza lindas fotos do pôr do sol.

Ele dá uma olhada no celular, que continua sem sinal. Paciência, é um risco banal para quem prefere o off road. Do lado direito da construção ele encontra um local conveniente para estacionar o jipe, e assim o faz, ansioso por um lanchinho. Mais ao fundo , alguém ou algo o observa, porém ele não se dá conta…

continua…

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Janela dos meus olhos

Da janela da casinha, casinha de tijolos,cimento, histórias e calos…dessa janela assisto o vento
bater nas árvores. É uma batida contínua, sincrônica até, diria eu, amorosa.
Vai e volta com um cinismo e um charme que só poderia esperar do vento. Esse mesmo,que
vêm de não sei onde, remexe tudo depois parte. Assim, sem deixar endereço, sentimento ou
telefone. Elas, as árvores, já deveriam estar acostumadas, em especial aqui, onde esse
intrépido cavaleiro surge dia sim , outro talvez.
Mas não, cada nova visita têm ares de estréia. A paixão e o fascínio só aumentam, pois que a
cada rompante ele chega diferente, soando como se mil harpas e liras tocassem juntas em
torno e dentro da minha alma. Sim, sou um pouco ,ou muito, como essas árvores. Provo dessa
dúbia relação com o vento, mas entre mortos e feridos salva-se a delícia de ter os cabelos
embaraçados e os arrepios nos braços. Assim como as árvores, com seus galhos revoltos e as
folhas ao léo.
Agora chega de adular o vento,mesmo ele sendo meu predileto, a vida e a paisagem aqui não
me deixam dúvidas de que natureza é sábia e de que a vida no campo é uma das maravilhas da
existência.
Dá para ver muito mais aqui desta janela,podem acreditar…muito além das vacas pastando, ou
dos pássaros que a todo momento cantam e piam como se não houvesse amanhã. Toda essa
movimentação me motiva, esse verde trás a tona tudo que pudesse estar adormecido, e
mesmo quando bate a preguiça, fruto do friozinho e da garoa, é esta janela tão frugal que dá o tom do dia.
Quem dera a alma possa ter uma abertura como essa, já que seria de tanta valia, saber olhar e
recolher cada momento como as árvores recolhem o vento, como se acolhe alguém ou algo
que nem se sabe, mas se anseia.
Acontece que nada vêm de graça ou sozinho, e esse vento matreiro não seria excessão. A
partir de agora ele divide espaço com o sol, e essa mistura deliciosa faz qualquer um sair da
toca e querer provar esse momento pitoresco.
Sabe do que me dei conta agora? Desde que estou aqui ainda não vi nem um sapo …nem
um, nem pra remédio, como diria minha vó. Já vi cobras e lagartos, sem trocadilho, mas sapo…
estão é passando ao longe…

… continua

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