
Texto Rafael Battaglia | Edição Alexandre Versignassi | Design Natalia Sayuri Lara | Ilustração Thobias Daneluz
Stanley Martin Lieber nasceu em 28 de dezembro de 1922, em Nova York. Era filho de Jack e Celia, imigrantes judeus que fugiram de uma Romênia assolada pela crise econômica e por uma onda de antissemitismo.
Consumidor voraz de qualquer tipo de mídia – tiras de jornal, programas de rádio, cinema… –, Stanley ganhou, como um dos primeiros presentes de sua mãe, um suporte de livros, para que pudesse ler enquanto comia. E na escola, participando de concursos de redação, descobriu o gosto pela escrita.
A família vivia com o orçamento apertado – o pai custava a conseguir empregos estáveis nos EUA da Grande Depressão dos anos 1930. Stanley, então, fazia todo tipo de bico: foi entregador de sanduíches, lanterninha de cinema e, mais em linha com seu talento, redator de obituários antecipados de celebridades.
Naquele começo do século 20, quadrinhos ainda eram vistos como uma arte de quinta categoria. O jogo só virou em 1938 com a HQ Action Comics 1 – a estreia do Superman. Essa revista mensal da National Allied Publications (futura DC Comics) inaugurou o gênero de super-heróis, alcançou milhões em vendas e virou o mercado de cabeça para baixo.
Foi nesse cenário efervescente que Stan, ainda moleque, começou a trabalhar com quadrinhos. Mas sua entrada do ramo não foi exatamente por mérito. Foi nepotismo mesmo. Martin Goodman, chefão da Timely Comics (futura Marvel), era casado com uma de suas primas e deu um emprego ao garoto.
Goodman estava longe de ser um visionário. Empresário do ramo de distribuição de revistas, criava empresas de fachada para fugir de impostos e prezava pela quantidade, e não qualidade, dos seus produtos – se algo estava fazendo sucesso, bastava copiar. Com os super-heróis, não foi diferente. Em 1939, a Timely lançou a HQ Marvel Comics 1 com os primeiros heróis da casa, Namor e Tocha-Humana, e contratou quadrinistas para desenvolver histórias para a editora. Dentre eles, Jack Kirby e Joe Simon, que criaram o Capitão América, em 1940.
O primeiro cargo de Stan por lá foi como assistente de Joe Simon. Ele fazia entregas, apagava traços de lápis em artes finalizadas, pegava café. Quando as tarefas acabavam, ficava tocando flauta doce no escritório. A virada veio num dia qualquer de 1941. Simon, sobrecarregado, passou a Stan a tarefa de escrever uma história curta para o Capitão América. E ele arrebentou. Lee teve a ideia de o Capitão usar seu escudo como bumerangue (algo que desafia as leis da física, mas que virou a marca do herói). Na hora de assinar, preferiu a versão contraída de seu nome: “Stan Lee”. E não parou mais de escrever.
Enquanto o jovem dava seus primeiros passos, Kirby e Simon estavam revoltados com Goodman: o chefe não tinha dado a eles a porcentagem de lucro prometida (25%) das vendas dos gibis do Capitão. Passaram, então, a trabalhar escondidos para a rival – a National.
Não tinha como dar certo: a dupla logo foi descoberta e demitida. Bom para Lee, que, com apenas 19 anos, assumiu como editor da HQ e passou os meses seguintes escrevendo diversas histórias para a Timely.
Em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, Stan serviu o Exército redigindo materiais educativos. Em 1945, voltou para Nova York com uma ideia surpreendente: sair do ramo de quadrinhos. Não foi um surto momentâneo, mas sim algo que o acompanharia por toda a vida. “O engraçado é que eu nunca fui um leitor de quadrinhos”, diria mais tarde, em 1999. “Eu só escrevia.”

O Método Marvel de fazer quadrinhos agilizava o trabalho de Lee, mas ocultava as funções de roteirista de Jack Kirby e outros ilustradores.
Nessa tentativa de virada profissional, Lee tentou começar um negócio de livros didáticos e fez trabalhos para rádios. Enquanto isso, passou a supervisionar cada vez mais os quadrinhos da Timely – e a escrever, de fato, cada vez menos. No final dos anos 1940, Goodman percebeu que valia mais a pena trabalhar com freelancers e mandou Stan demitir toda a redação.
Em 1947, o quadrinista conheceu a modelo inglesa Joan Clayton Boocock. Eles se apaixonaram e casaram poucos meses depois. Dessa união, em 1950, nasceu Joan Celia (ou, como ficou conhecida, JC). O nome foi uma homenagem à mãe de Stan, que morreu três anos antes. O casal teve ainda uma segunda filha, Jan, mas que não sobreviveu ao dia do parto.
Apesar das perdas, a família Lee teve uma vida estável nos anos 1950. Eles viviam numa casa espaçosa em Long Island, nos arredores de Nova York, e organizavam festas com frequência. Mas Stan seguia frustrado com o trabalho.
Ele revolucionou os quadrinhos e virou um ícone da criação de super-heróis. Mas também acumulou rixas por não dar crédito aos parceiros de criação. Conheça o lado B do símbolo-mor da Marvel, que faria 100 anos em 2022.
A vida secreta de Stan Lee
publicado originalmente em superinteressante