A Maldição do Farol…A Espera Acabou (final)

A vida continuou nos afazeres do cotidiano, enquanto Isabel crescia e se tornava uma linda menininha que amava muito a lagoa, sua brincadeira favorita era fazer castelos de areia, e assim passava grande parte dos dias mais quentes…ela tinha agora quatro anos. Os pais, sempre atarefados, ficavam cuidando de longe, deixando a menina bastante tempo sozinha, montando seus castelinhos. Foi em uma dessas manhãs de verão, de tempo bom e céu azul, que Isabel, armada de seu baldinho, se dedicava na areia, quando viu boiando na água algo brilhante, chamativo e diferente…ela ficou curiosa e levantou para ver melhor.

O objeto parecia se aproximar da margem, e a pequena deu uns passos na água para chegar mais perto. Ela havia aprendido desde cedo que não podia entrar na lagoa sem os pais, mas a curiosidade infantil foi mais forte, e ela queria pegar o objeto, então…
Em questão de segundos a água estava na cintura da menina e quando Tereza viu do Farol a criança na água, gritou com todas as forças chamando Francisco , e correu desesperada. No mesmo instante um nevoeiro vindo das profundezas de um pesadelo, baixou sobre a praia, cobrindo tudo e deixando os pais cegos, o terror tomando conta de ambos, eles na água tateando em busca de Isabel. Eles não viram, mas na janela, no topo do farol, sombras observavam a cena, sombras escuras, tristes e vingativas.

A menina já havia sucumbido sem um som, e Tereza, em desespero, entrou cada vez mais fundo na água procurando e procurando no nevoeiro, até que exausta, afundou… Horas depois, Francisco acordou na praia sozinho, mas antes não houvesse jamais acordado, foi o que ele pensou, pois as razões da sua vida jamais voltariam das profundezas frias daquela lagoa…
Bem que as pessoas do povoado tentaram, mas Francisco jamais se recuperou, tampouco quis sair do Farol, ficou ali, esperando, pois tinha certeza de que um dia elas voltariam, não, elas não iriam abandoná-lo…isso era absurdo. O tempo passou, seus amores jamais voltaram, e Francisco se afogou na bebida, da mesma forma que elas nas profundezas do lago. Morreu esperando, mas agora, a espera havia chegado ao fim …
-Vejo que a refeição acendeu sua memória, querido.
Ele então, erguendo os olhos viu Tereza, sim, Tereza seu amor estava ali, ele agora lembrava…e aonde está Isabel? Onde está sua menininha?
Tereza lhe estende a mão, ele aceita e eles caminham até a porta, lá na margem está a menina, fazendo seus castelinhos, feliz e sorridente…Ela acena para os pais com a pequena mãozinha. A felicidade de Onofre é interrompida por um golpe gelado no rosto.

  • Acorda homem! O porre foi grande desta vez…
    Era o vizinho, que encontrando o outro desacordado na beira da estrada tentava reanimá- lo com um balde de água na cara.
    -Tereza… Isabel…aonde, cadê elas?
  • Não tinha ninguém aqui não, amigo. Se não te vejo aí caído um carro passava por cima.
    Com dificuldade Onofre levanta, ele já tinha decidido aonde iria agora…
    Era final de tarde quando ele chegou no farol, as últimas luzes bruxuleavam nas paredes do antigo prédio. Onofre sabia exatamente como entrar, porque tantas vezes havia aberto as portas, subido e descido aquelas escadas, que já faziam parte dele, assim como a saudade que agora ele lembrava e sentia vívida, a falta que a vida toda ele havia suprido com bebida e palhaçadas…o vazio imenso que as duas lhe causavam. Ele começou a chamar por elas, primeiro baixinho, depois aos gritos…e então ele ouviu…era a risada de Isabel, sim, sua preciosa filhinha…vinha da escada, do alto dela . Mas o que a pequena estaria fazendo sozinha lá em cima?
  • Ele tinha que ir buscá-la e rápido, era muito perigoso lá no alto. Onofre sobe então a escada, a mesma que em outra vida ele tantas vezes havia subido para acender a luz do velho farol. As risadas continuavam e o incentivam a ir mais e mais rápido. Finalmente ele alcança o topo, mas… cadê a menina? Onde está Tereza?
    Ele então olha pelo parapeito e avista ambas lá embaixo na praia, Onofre as chama, acena e elas retribuem, chamando-o para junto delas. O antigo bêbado, agora o faroleiro outra vez, debruça-se um pouco mais e então, rápido como um piscar de olhos, ele desaba lá do alto, e não tendo onde se apoiar, desmorona no chão, na areia… quebrando o pescoço na queda.
    Quando abre os olhos novamente, Tereza e Isabel estão ali, solícitas, com um copo d’água e um cafuné. Não mais a solidão, nunca mais as bebedeiras e ressacas, esquecerá o choro abafado no travesseiro…agora são os três novamente, depois de quase dois séculos. A família entra no abrigo do farol , enquanto a areia dá cabo do corpo contorcido de Onofre…a espera acabou.

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A Maldição do Farol…A Espera Acabou ( parte dois)

A comida parece deliciosa, mas quando ele coloca na boca, de imediato uma dor insuportável lhe turva as ideias, pontadas feito facas o atacam por dentro, é como se uma lança o rasgasse inteiro…ele acorda aos gritos, levando as mãos à barriga. Estão batendo na porta, e Onofre demora uns segundos para se atinar da situação.

  • Abre Onofre, preciso falar contigo!
    É o Zé, o dono da fruteira, ele entra apressado para se livrar da chuva.
  • Então, é hoje? Vai lá a noite, e tira uma dúvida pra mim. Te pago dois mil.
  • Olha, Zé… aquele dia eu tava muito doido, não vai dar, não… prometi pra minha finada mãezinha que nunca ia botar meus pés lá de noite, nem de dia …na verdade. Vou agradecer e recusar.
  • Contava contigo pra me dar essa mão, Onofre.
  • Vai ficar pra próxima…
    O Zé foi embora nem um pouco satisfeito, e o Onofre pegou a bicicleta para dar uma desbaratinada na mente. Umas pedaladas iam ajudar a passar o pileque, e ele precisava ir fazer um bico na casa de um vizinho. Já tinha vencido bem uns dois quilômetros, quando lá pras bandas da lagoa viu formar-se um nevoeiro denso. Mas que coisa esquisita, nesta época do ano… então viu a sua frente um vulto, e a escuridão caiu como um breu.
    A mesa estava posta, e a luz dos candelabros dava ares de mistério aquela sala antiquada. Onofre viu a garrafa de vinho e não pensou duas vezes para dar um farto gole…nem reparou na mulher que em um canto o observava, a mesma do seu sonho, ou visão?
  • Olá, meu querido. Finalmente você veio, há muito o esperávamos. Este farol não é o mesmo sem você…
    Onofre sentiu arrepiar da cabeça aos pés, e virando o rosto pôde ver a mulher, que com um sorriso amistoso o saudava. Não a reconheceu de imediato, mas alguma coisa nela era familiar, isso ele tinha certeza. Aquele lugar, o ambiente, tudo parecia conhecido para ele, porém não podia recordar de onde. Ela convidou-o a sentar, e quando ele se acomodou na cadeira, tudo ficou muito claro para ele…
    …O farol havia ficado pronto há pouco, e agora que os escravos tinham acabado o trabalho, ele e a esposa iriam ficar sozinhos ali por um bom tempo. Francisco e Tereza estavam casados há cinco anos e a oportunidade de morar no farol caiu como uma luva em seus planos de economizar para comprar um pedaço de terra. O lugar era isolado e ermo, mas havia a lagoa para pescar e a cidade era um passeio que faziam uma vez ao mês para comprar mantimentos.
    Tudo correu bem nos primeiros anos, apesar das dificuldades da época, o conforto precário e as intensas tempestades que pareciam o fim do mundo, açoitarem o lugar com mais frequência que o desejável. Foi em um dessas noites que Isabel nasceu, Francisco auxiliou no parto, pois a menina resolveu chegar exatamente em uma dessas tenebrosas noites, e foi impossível buscar ajuda da parteira na vila. Apesar de sofrido, tudo deu certo, e agora a família completa habitava o isolado Farol da Enseada…

… continua

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A Maldição do Farol…A espera acabou (parte um)

A vida é tranquila no povoado, todos se conhecem e há uma espécie de pacto de silêncio quando se trata do farol. Os velhos se reúnem na praça ou no boteco, muito raramente alguma coisa de interessante acontece por ali. Alguns mais antigos sabem das histórias de sumiços pelas bandas da lagoa, mas por ignorância ou medo preferem se calar. Desde que não seja com um deles ou da sua família… quem se importa? Assim também pensa o Onofre, o pinguço oficial dali, ele que é cria da terra, se gaba de não ter medo das lendas e afirma de pés juntos que fantasmas não existem, e que ou inventam pra chamar a atenção, ou estão mais bêbados do que ele. E é de cima do coreto que hoje ele está dando seu show:

  • O negócio é o seguinte, cambada…Aposto com vocês que não têm nada de mais no Farol da Enseada…eu vou lá, volto inteirinho da Silva, e vocês me dão quinhentos paus.Tô devendo no Bar do Garcia e ele invocou que não me vende mais nada…
    Caíram todos na gargalhada, Onofre era metido a fazer graça. Não podia estar falando sério. Mesmo ele, de pileque, não iria ser doido o suficiente para ir no farol a noite…
  • Tão rindo do quê!? Eu mesmo já tô careca de dormir lá e nunca, nunquinha, vi nenhum fantasma, lobisomem ou assombração, disse ele blefando.
  • É mesmo? Então combinado, você vai, passa a noite lá, tira umas fotos e eu perdôo sua conta…gritou Garcia lá do meio da galera, levando os presentes ao delírio.
  • Isto e mais quinhentos de crédito…rebateu Onofre.
    O pessoal fica apreensivo, pelo jeito não vai ter diversão…
  • Eu cubro! É o Zé da fruteira, para espanto geral…
    O cara não tinha boca pra nada, nunca estava nas rodas de conversa, sempre na dele…mas lá no fundo ele tinha uma bronca do farol, seu padrinho Jairo há muitos anos atrás, havia morrido de parada cardíaca logo após ter visitado o prédio…ele nunca tirou da cabeça que foi isso que o matou.
  • Fechado então! Onofre faz uma dancinha, pula do coreto e sai todo serelepe.
  • Ei, Onofre! Só um detalhe, têm que ser em uma noite de tempestade, valeu? Grita Garcia enquanto o outro se afasta.
    Só depois de passado o pileque foi que ele acabou se dando conta da besteira que havia feito. Como assim, ir no farol a noite?…e agora ? Ia ter de dar pra trás, sem chance de fazer uma coisa dessas.
    A semana começa com chuva, e Onofre está socado dentro de casa, amuado com a perspectiva de enfrentar os amigos. Certamente irão cobrar sua visita ao farol abandonado. Em uma de suas cochiladas entre um gole e outro, ele têm um sonho estranho. Uma mulher, com vestes de antigamente, prepara uma lauta refeição para ele, é em um espaçoso lugar, com altas paredes e pintura gasta.

… continua

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A Maldição do Farol…Sempre tem um lugar ( final)

  • Boa noite, mas…como sabe meu nome? Já nos conhecemos?
  • Digamos que uma gaivota me contou…em que posso ser útil?
  • Bem, eu estava pescando quando um nevoeiro intenso me fez perder a rota, há uns dois dias tenho ficado a esmo na lagoa, e hoje, por sorte, vim dar em sua praia. Gostaria de passar a noite, se não for incoveniente.
  • De maneira alguma, estávamos a sua espera…sempre têm um lugar para um amigo em busca de abrigo.
    Quando Matias terminou a frase, de várias portas surgiram outras pessoas… três casais e uma moça.
  • Deixe-me apresentar os outros hóspedes : minha noiva Mirtes, os casais Lionel e Rita, Beto e Nando, e Estela e Jorge. Eles o cumprimentaram com um sorriso, e voltaram aos aposentos.
    Faustino estava de boca aberta e queixo caído, eram muitas pessoas para um simples farol…um prédio que apesar de alto era extremamente estreito. O faroleiro notou a curiosidade dele e com um gesto, convidou- o acompanhá-lo…cada porta lateral que ele abria, dava acesso a uma nova ala, quarto ou aposento, era uma coisa espantosa e Faustino ficou estarrecido, isto estava cheirando a bruxaria, ou assombração…
  • Creio que apesar de sua gentileza vou recusar a guarida… tentarei achar o caminho para casa…
  • Temo não ser possível, caro amigo… Já é chegada a hora. Aqui é seu lar, acredite, o Farol exige tua presença.
  • Não, não… há algum engano Matias, preciso voltar a vila com os peixes, é meu compromisso, estão encomendados.
  • Faustino, nesses últimos dias algumas situações mudaram o rumo da sua antiga vida, me acompanhe .
    Os dois saíram à praia, e agora não havia mais nevoeiro, dava para enxergar perfeitamente o barco ao longe. Eles foram andando até lá, e enquanto caminhavam o pescador começou a lembrar o que havia acontecido. O pedido dos peixes, a saída da vila…e então sua mente trouxe à tona o que havia acontecido…seu irmão Ismael , que jamais o havia perdoado por ter ido embora, depois de procurar por anos a fio, havia o encontrado finalmente. Na época em que deixou a família, esse irmão era bem menino e muito apegado com ele, a tristeza e ódio que sentiu nunca o deixaram.
  • Durante uma distração de Faustino enquanto preparava o barco para partir, Ismael envenenou sua água e seu pão…um veneno potente, insípido e mortal. Depois, de longe, sorriu satisfeito, sua mãe estava vingada. A pobre senhora havia sido morta pelo pai deles , largada a própria sorte por Faustino…pelo menos essa era a visão de Ismael, que na época era muito pequeno. Faustino então, tomou a água, comeu o pão e provou toda sua agonia novamente, o veneno corroendo suas entranhas, derretendo todo seu corpo por dentro, ele no meio da lagoa sem ter como pedir socorro, o medo, a dor , a solidão, o desespero. Ele viu a bruma densa da morte caindo sobre ele e o fazendo adormecer e sonhar com a família…ele observou o barco à deriva por dias, a festa das gaivotas em seu cadáver e depois finalmente enencalhando na praia do Farol da Enseada.
    O faroleiro e ele chegam ao barco, ali dentro está o corpo já decomposto de Faustino com os olhos arrancados, talvez pela gaivota que avisou Matias.
    Seja como for, agora temos mais um hóspede no farol, mais um personagem que o destino estigmatizou, e que o Farol acolheu…ali sempre tem um lugar…

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A Maldição do Farol… Sempre tem um lugar (parte dois)

Como de costume, entrou alguns quilômetros lagoa a dentro, no local que geralmente a quantidade de peixes costumava ser maior, soltou o espinhal de anzóis e estava esticando o nylon quando de repente um nevoeiro começou a subir da água em uma velocidade que Faustino nunca havia presenciado. Ele ficou estático, na esperança que a bruma logo se dissipasse, mas não, continuou tão fechado que não dava para enxergar um palmo diante do nariz. Decidiu então se sentar no fundo do barco e comer seu último sanduíche, na esperança que dentro em pouco conseguiria voltar a praia. Ele cai em um leve sono e agora sonha , ali reencontra sua sofrida mãe que há tantos anos ele deixara para trás com seus irmãos, Faustino partira não por falta de amor, mas porque vendo que nunca sairiam daquela situação, optou por não mais suportar a fome e a miséria.

Mas o sentimento por haver abandonado a mãe e os irmãos nunca o deixou…no sonho ele os abraça, saudoso, carente de perdão… porém há algo estranho, o abraço deles é apertado demais, estão o sufocando, quebrando suas costelas, o esmagando por dentro. Faustino dá um profundo suspiro e acorda com o barco batendo em alguma coisa. O nevoeiro continua tenebroso, mas o barco chegou na margem , logo a frente ele distingue a luz de um farol . Sim, é um farol, apesar da neblina não deixá-lo à vista. Agradecendo aos céus ele desce do barco, às cegas. Faustino arrasta- o para fora d’água e tenta colocar as ideias em ordem.

Na verdade ele sequer consegue imaginar onde esteja, não dá para enxergar nada em volta… apenas a tênue lâmpada do farol. Diante da situação ele resolve que o melhor a fazer é pedir abrigo até que possa voltar em segurança para a vila. Ao chegar ao prédio, ele ouve vozes lá dentro, e pergunta a si mesmo se é prudente chamar os moradores…mas mal acaba de pensar isso, a porta se abre e o faroleiro uniformizado cruza o batente.

  • Saudações Faustino, meu nome é Matias, seja muito bem vindo!

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A Maldição do Farol… Sempre tem um lugar ( parte um)

A margem deve estar próxima, pensou Faustino, a essa altura já exausto de remar e estropiado de fome . Pelas contas dele já faziam pelo menos 48 horas que havia saído de casa para pescar. Em seus mais de vinte anos de experiência nunca tinha visto um nevoeiro tão denso a ponto de tirá-lo do rumo. Ele agora contava com um milagre para salvar-se , pois a comida havia acabado e o frio estava se tornando insuportável…
Faustino tremeu descontroladamente até adormecer de exaustão…em seu sonho ele caminhava sozinho na praia, isolado de tudo e de todos, quando ao longe ele avistava uma luz , uma luz que o magnetizava , hipnotizava, que era distante e dentro dele ao mesmo tempo. Isso o transportou para sua infância difícil, de abusos e de fome, quando dormia chorando à luz do lampião, na incerteza de um amanhã que talvez nem viesse. No auge do inverno o frio era algo de monstruoso, e o clima extremo obrigava a família a trancar-se por dias em casa, o sofrimento era grande, o fogo não aquecia o suficiente, e a comida sempre pouca era uma tortura permanente. A mãe resignada na miséria, pouco se importava com as ausências constantes do pai , entregue a bebida e perdido para eles…quando Faustino completou 12 anos, fugiu de casa para seguir a vida. Vagou de cidade em cidade, trocando trabalho por comida, até chegar a uma vila de pescadores, onde encontrou seu lugar.
A comunidade simples nunca fez muitas perguntas sobre seu passado, e ele logo se entrosou e aprendeu o ofício da pesca artesanal. Os anos passaram e ele tornou-se um excelente pescador, fazendo de seu ofício sua razão de viver. Agora, beirando os quarenta anos, às vezes pensava em se casar, mas ainda não havia encontrado alguém que preenchesse seu machucado coração. Foi em uma manhã ensolarada que ele pegou seu barco e saiu para a lagoa, tinha encomenda de bagres para o restaurante local, era a festa de aniversário do povoado, e o pessoal gostava da pesca dele, sempre de boa qualidade e no capricho.

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A Maldição do Farol… Não esperem a noite chegar ( final)

Em um fim de semana como outro qualquer, ele saiu para caçar capivaras e o quê mais aparecesse com seu amigo Valter. Caminharam um bom percurso a pé, a fim de se distanciar de onde pudesse ter algum desavisado. Eles estavam bem empolgados, nessa época as capivaras se reproduziam e ficavam bem mais vulneráveis. O combinado era sempre estarem a vista um do outro, a fim de evitar acidentes. Mas aquele fatídico dia reservava uma tragédia na vida de ambos…sem explicação, a arma de Jorge disparou, acertando em cheio Valter, que desde então ficou paraplégico.

O rapaz nunca mais se recuperou do trauma e acabou tirando a própria vida algum tempo depois. Jorge evitava a todo custo esse assunto, pois ele nunca se perdoou, apesar de Valter nunca tê- lo acusado. O amigo, inclusive, deixou uma carta explicando que o suicídio havia sido por não conseguir lidar com seus próprios demônios. Mas a culpa é traiçoeira, e sempre acompanhou Jorge… agora isso voltou com tanta nitidez à sua mente, que consegue até ouvir os gritos do amigo, que há tanto tempo se fora.
Mais uns degraus e estão lá em cima, a praia e o carro dali parecem minúsculos.

Estela pensa se não seria um bom momento para conversar com o companheiro, abrir seu coração e contar para ele o que a têm incomodado. Jorge por sua vez a abraça, sem nada falar…ele quer apenas o consolo da mulher amada. O tempo passa devagar e quando percebem a noite já caiu …o Farol da Enseada está envolto em brumas, como em um conto de terror…eles intuem que já passou da hora de descer dali.
O celular de Estela está sem bateria, agora contam apenas com o dele para descer a velha escada. Combinam de Jorge ir na frente com o lume, enquanto ela o segue, com todo cuidado.
-Mais um dia e não falei com ele, pensa ela…
-Porque logo agora essas lembranças tão tristes e antigas ? Inquire ele a si mesmo.


Então, do nada, uma figura tenebrosa surge da escuridão profunda, assustando a ambos e fazendo-os perder o equilíbrio. Uma fração de segundo. O celular voa, seguido de Estela e Jorge, que vão, como fantoches, batendo nas paredes do farol…rolando, batendo e caindo, até finalmente encontrarem o chão. Foi muito rápido, mas parece que a queda durou horas. Agora, olhando os dois espatifados ali, Jorge até sente um alívio íntimo, a culpa finalmente ficará para trás. Estela, por sua vez terá que esperar até se acostumar com a nova situação, para voltar a tentar falar com Jorge sobre a separação.
É, o farol e suas surpresas…por vezes irônicas. Com uma mesura, o faroleiro lhes dá as boas vindas, e lá fora, a areia movediça está acabando de engolir o carro e o acampamento…eles não deviam ter esperado a noite chegar…

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A Maldição do Farol…Bem vindos ao lar ( final)

Os jovens acordaram sobressaltados com o sonho que tiveram, mas para não parecerem imaturos ou supersticiosos , não comentaram nada sobre isso um com o outro. Reuniram suas coisas e saíram para o novo dia. O carro parecia estar menos enterrado que na noite anterior, Nando sugeriu que cavassem em torno dos pneus para aliviarem o atrito com a areia. Começaram então a cavar cada qual de um lado. Ofegante pelo esforço, Beto não percebeu que Nando estava muito quieto, só se deu conta quando viu as mãos desesperadas do rapaz tentando agarrar o para choque do carro… Nando estava submergindo na poça de areia…areia movediça…


Ele então levantou horrorizado e com toda sua força tentou arrancar o namorado da lama mortal, mas na ânsia de salvá-lo, desequilibrou- se e caiu, na mesma areia movediça, na mesma maré negra, que eles sonharam e não quiseram compartilhar…nos últimos segundos de vida ainda se tocaram, levemente nos dedos, com tanto amor como tinham minutos antes, onde ainda brilhavam o céu e o sol em seus olhos…em segundo plano, o carro afunda…


O faroleiro agora desce e vêm ao encontro do casal, que não tinha planos de morar no Farol da Enseada, mas que agora vai fazer daqui sua nova casa…lar é onde estamos com quem amamos, não é mesmo?
A noite promete, chegaram novos hóspedes ao farol…

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A Maldição do Farol…Bem vindos ao lar ( parte três)

Beto para de olhos arregalados, puxando Nando pelo moletom.

  • Amor, não pode ser… não saímos da praia.
  • Talvez seja outro farol… só pode.
    Mas o carro continua ali, atolado ainda…e eles se olham estupefatos. Decidem então seguir para o lado oposto, talvez encontrem uma casa. Caminham uns quarenta minutos sem nada avistar, até que a luz da lanterna ilumina um carro, eles se apressam para falar com o motorista, mas chegando mais perto podem ver que é um jipe, atolado na areia…uns cem metros a frente ergue-se um farol… Beto cai de joelhos e começa a chorar…
  • Levanta amor, não, não faz assim…vai ficar tudo bem.
    Nando ajuda o namorado a levantar e dentro de si tenta achar uma explicação plausível para aquilo tudo, tenta, mas não há nenhuma. O vento e a chuva voltam a castigar, inclementes , e os rapazes resolvem passar a noite no farol, pelo menos estarão abrigados.
    Lá fora a tempestade avança, e dentro do edifício o clima é de tensão, preocupados em como irem embora na manhã seguinte, cada um vaga em pensamentos tentando achar uma solução, pelo menos a luz do dia ajudará a situarem -se melhor, tudo fica melhor quando amanhece.
  • Nando preparou uma fogueira, eles comeram e se recostaram nas mochilas, ouvindo o vento uivar na lagoa…o sono chegou para os dois, e no sonho de ambos, eles subiam as escadas em caracol, o faroleiro à frente, com um lampião de querosene, de uniforme antigo e com gestos autoritários, guiando os namorados através da escuridão, chegando ao topo, o homem mostra a eles o entorno do farol, apontando os pontos onde a areia é firme, e onde a maré negra devora tudo que a toca. Ele fala do respeito que devem ter a essa força da natureza, a areia movediça que só existe ali …o farol se alimenta da culpa e dos segredos, a areia suga pra si quem não acredita na força dela. Os rapazes se amam, é uma troca verdadeira, o farol respeita isto, mas a areia têm suas próprias leis e seu próprio julgamento …todo cuidado é pouco.

… continua

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A Maldição do Farol… Bem vindos ao lar ( parte dois )

O dia transcorreu como o esperado, paisagens naturais, banhos de lagoa, picnic e muitos registros de tudo a volta deles. O pôr do sol de tirar o fôlego, depois as estrelas…tudo que eles haviam sonhado estava acontecendo.
Na manhã seguinte, depois de muitos planos noturnos, cedo já estavam a caminho da praia de água doce novamente…desta vez iam conhecer um farol famoso na região, a expectativa era enorme. Passando no mercado abasteceram-se de sanduíches, frutas e água. O dia prometia, repleto de belezas silvestres, natureza e muita emoção. A cumplicidade dos dois era visível e contagiava ao redor. Há uns cem metros do farol, Nando sentiu o carro dar uma “ segurada” na areia, acelerou um pouco…e o carro morreu. Depois de várias tentativas em vão de fazê-lo pegar, eles descem do carro para ver o que aconteceu.

– Amor, você fez a revisão? Pergunta Beto, contrariado.
-Sim, sim…
Mas Nando estava achando estranho demais aquilo. O que aconteceu depois foi mais esquisito ainda…uma tempestade surgiu do nada, galhos voando, relâmpagos e trovões rasgando o céu da tarde, que antes tinha só uma nuvem aqui, outra ali…eles entraram novamente no carro, na esperança que funcionasse, mas ao invés disso o que viram foi o carro balançando e começando a afundar!
Saíram rápido do veículo, com o coração aos saltos… então ambos olharam para o farol, tão imponente e robusto, parecendo um milagre no meio daquela tormenta. Pegaram o lanche no banco de trás e correram para lá, na pressa de se abrigarem da chuva e do vento. A porta estava aberta, há muito ninguém se importava em fechar… Eles entraram sacudindo as roupas e dando risada da situação. Que fazer agora ? Teriam de esperar o clima dar uma trégua… Beto confere o celular, zero sinal. Nando também não têm.
Já está perto das dezoito horas e não tarda a anoitecer, eles resolvem conferir o carro, a tempestade deu uma amainada. O jipe continua lá, enterrado até a metade dos pneus na lama. Nando propõe dormirem ali, mas Beto prefere tentar voltar andando até conseguirem ajuda ou sinal de celular…
Eles pegam as mochilas e a chave e começam a caminhada de volta, o ocaso e as sombras tornam o caminho igual e confuso, mas não ao ponto de meia hora depois eles se depararem novamente com o farol bem a frente deles…

… continua

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