A vida é tranquila no povoado, todos se conhecem e há uma espécie de pacto de silêncio quando se trata do farol. Os velhos se reúnem na praça ou no boteco, muito raramente alguma coisa de interessante acontece por ali. Alguns mais antigos sabem das histórias de sumiços pelas bandas da lagoa, mas por ignorância ou medo preferem se calar. Desde que não seja com um deles ou da sua família… quem se importa? Assim também pensa o Onofre, o pinguço oficial dali, ele que é cria da terra, se gaba de não ter medo das lendas e afirma de pés juntos que fantasmas não existem, e que ou inventam pra chamar a atenção, ou estão mais bêbados do que ele. E é de cima do coreto que hoje ele está dando seu show:
- O negócio é o seguinte, cambada…Aposto com vocês que não têm nada de mais no Farol da Enseada…eu vou lá, volto inteirinho da Silva, e vocês me dão quinhentos paus.Tô devendo no Bar do Garcia e ele invocou que não me vende mais nada…
Caíram todos na gargalhada, Onofre era metido a fazer graça. Não podia estar falando sério. Mesmo ele, de pileque, não iria ser doido o suficiente para ir no farol a noite… - Tão rindo do quê!? Eu mesmo já tô careca de dormir lá e nunca, nunquinha, vi nenhum fantasma, lobisomem ou assombração, disse ele blefando.
- É mesmo? Então combinado, você vai, passa a noite lá, tira umas fotos e eu perdôo sua conta…gritou Garcia lá do meio da galera, levando os presentes ao delírio.
- Isto e mais quinhentos de crédito…rebateu Onofre.
O pessoal fica apreensivo, pelo jeito não vai ter diversão… - Eu cubro! É o Zé da fruteira, para espanto geral…
O cara não tinha boca pra nada, nunca estava nas rodas de conversa, sempre na dele…mas lá no fundo ele tinha uma bronca do farol, seu padrinho Jairo há muitos anos atrás, havia morrido de parada cardíaca logo após ter visitado o prédio…ele nunca tirou da cabeça que foi isso que o matou. - Fechado então! Onofre faz uma dancinha, pula do coreto e sai todo serelepe.
- Ei, Onofre! Só um detalhe, têm que ser em uma noite de tempestade, valeu? Grita Garcia enquanto o outro se afasta.
Só depois de passado o pileque foi que ele acabou se dando conta da besteira que havia feito. Como assim, ir no farol a noite?…e agora ? Ia ter de dar pra trás, sem chance de fazer uma coisa dessas.
A semana começa com chuva, e Onofre está socado dentro de casa, amuado com a perspectiva de enfrentar os amigos. Certamente irão cobrar sua visita ao farol abandonado. Em uma de suas cochiladas entre um gole e outro, ele têm um sonho estranho. Uma mulher, com vestes de antigamente, prepara uma lauta refeição para ele, é em um espaçoso lugar, com altas paredes e pintura gasta.
… continua

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