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Em um fim de semana como outro qualquer, ele saiu para caçar capivaras e o quê mais aparecesse com seu amigo Valter. Caminharam um bom percurso a pé, a fim de se distanciar de onde pudesse ter algum desavisado. Eles estavam bem empolgados, nessa época as capivaras se reproduziam e ficavam bem mais vulneráveis. O combinado era sempre estarem a vista um do outro, a fim de evitar acidentes. Mas aquele fatídico dia reservava uma tragédia na vida de ambos…sem explicação, a arma de Jorge disparou, acertando em cheio Valter, que desde então ficou paraplégico.
O rapaz nunca mais se recuperou do trauma e acabou tirando a própria vida algum tempo depois. Jorge evitava a todo custo esse assunto, pois ele nunca se perdoou, apesar de Valter nunca tê- lo acusado. O amigo, inclusive, deixou uma carta explicando que o suicídio havia sido por não conseguir lidar com seus próprios demônios. Mas a culpa é traiçoeira, e sempre acompanhou Jorge… agora isso voltou com tanta nitidez à sua mente, que consegue até ouvir os gritos do amigo, que há tanto tempo se fora.
Mais uns degraus e estão lá em cima, a praia e o carro dali parecem minúsculos.
Estela pensa se não seria um bom momento para conversar com o companheiro, abrir seu coração e contar para ele o que a têm incomodado. Jorge por sua vez a abraça, sem nada falar…ele quer apenas o consolo da mulher amada. O tempo passa devagar e quando percebem a noite já caiu …o Farol da Enseada está envolto em brumas, como em um conto de terror…eles intuem que já passou da hora de descer dali.
O celular de Estela está sem bateria, agora contam apenas com o dele para descer a velha escada. Combinam de Jorge ir na frente com o lume, enquanto ela o segue, com todo cuidado.
-Mais um dia e não falei com ele, pensa ela…
-Porque logo agora essas lembranças tão tristes e antigas ? Inquire ele a si mesmo.
Então, do nada, uma figura tenebrosa surge da escuridão profunda, assustando a ambos e fazendo-os perder o equilíbrio. Uma fração de segundo. O celular voa, seguido de Estela e Jorge, que vão, como fantoches, batendo nas paredes do farol…rolando, batendo e caindo, até finalmente encontrarem o chão. Foi muito rápido, mas parece que a queda durou horas. Agora, olhando os dois espatifados ali, Jorge até sente um alívio íntimo, a culpa finalmente ficará para trás. Estela, por sua vez terá que esperar até se acostumar com a nova situação, para voltar a tentar falar com Jorge sobre a separação.
É, o farol e suas surpresas…por vezes irônicas. Com uma mesura, o faroleiro lhes dá as boas vindas, e lá fora, a areia movediça está acabando de engolir o carro e o acampamento…eles não deviam ter esperado a noite chegar…

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